INVENTAR DE NOVO O CARNAVAL



Dançarina do bloco afro Amigos do Babá. Foto: André Santana

Em um samba paradigmático da bossa-nova, Rua Nascimento Silva, 107..., Vinicius se despede de Tom Jobim afirmando ser preciso inventar de novo o amor. Mudar não significa necessariamente destruir o velho. Algumas sociedades experimentam a permanente reinvenção de suas tradições, assim nos ensina o historiador Eric Hobsbawn. Este é o caso do carnaval baiano que incorpora freneticamente todas as novidades tecnológicas, artísticas e culturais e, ao mesmo tempo, faz o up grade dos velhos carnavais.

Quinta-feira de carnaval. Saí no bloco organizado pelos funcionários da Biblioteca Pública, em homenagem aos 200 anos de fundação daquela instituição. Ainda não havia carnaval na rua mas estávamos lá, cerca de 70 colegas bibliotecários, animados por uma enérgica bandinha de 20 músicos e por uma dúzia de pierrôs mascarados vindos de Plataforma. A nossa brincadeira contagiou fregueses e comerciários da Av.7. Senti-me aos 19 anos, com os meus colegas da APLB, no querido Filhos de Filó e Sofia, cantando os sambas de Babita e de Normando Batista.

Sexta-feira de carnaval. Tive a honra de desfilar no bloco afro Amigos do Babá. Um apuro muito grande dos organizadores, belas e inventivas fantasias inspiradas em motivos africanos, duas alas de dançarinos disciplinados por uma coreografia rigorosa e com uma altivez de balizos de fanfarra. A bateria estava impecável e a cantora lembrava Sandra Sá, cantando um regue à la Muzenza. Brincamos muito pela Misericórdia e pela Rua Chile, sem cordas e sem pipocas, pois todos os transeuntes que queriam entravam e saiam do bloco e confraternizavam com os desfilantes. Senti-me de volta aos meus 12 anos no Cavaleiros de Bagdá, com o gongo e com Nelson Maleiro.

Dançarinos do bloco afro Amigos do Babá. Foto: André Santana

 
Nós, sexagenários, que não podemos mais pular o carnaval, podemos ainda brincar o carnaval. Por absoluta falta de mobilidade em uma cidade atravancada, deixei de participar de duas iniciativas que teriam me deixado muito feliz. Perdi a invenção de Valtinho Queirós e da Banda do Habeas Copus, o baile à fantasia na Barra. Perdi também a brincadeira inventada por Gereba, Paulinho Boca e pelo Paroano sai Milhor no Rio Vermelho. Paroano, estes serão dois compromissos imperdíveis. Moraes Moreira já botou a boca no mundo para reeditar em 2012 o carnaval na Praça Castro Alves.  Nem tudo é trio e corda no carnaval da Bahia.  

Não estamos sós. Fora da Bahia, assistimos pela TV o sucesso do Galo da Madrugada em Recife e a multidão de brincantes cariocas atrás do Bola Preta, da Banda de Ipanema e do bloco de Santa Tereza. A leitura da Tarde de Domingo revela as várias iniciativas inovadoras no carnaval, com fantasias e mascarados. Mesmo sem jegues, a Mudança do Garcia resiste. Este é um bom sinal. Os brasileiros amantes do carnaval não se submeteram ao voyerismo das escolas de Samba do Rio e das celebridades do trio elétrico baiano.

O pecado é próprio do carnaval, e eu pecarei por imodéstia. Muito me orgulho da minha geração de sexagenários que se identificam com a pretérita rebelião de 1968. Estamos presentes nestes mais de 40 anos em todas as reinvenções políticas, culturais e sociais do Brasil. Desde 1968, quando Caetano mandou, pulamos todos atrás do Trio Elétrico; enchemos a Praça Castro Alves em atenção a Osmar; botamos na rua os blocos de protesto como o Pré-Datado dos bancários, os Filhos da Pauta dos jornalistas e aquele vetusto ato litúrgico que foi E o Povo Pediu. A juventude negra de então levantou a rebelião negra nas ruas, durante o carnaval, e todos nós participamos militantemente da saída do Ilê, no Curuzu. Hoje estamos indiscutivelmente no poder. A Presidenta Dilma e o Governador Wagner são dois legítimos representantes de nossa geração. Estamos todos reinventando um Brasil mais próspero e mais justo. Mas isto não basta. É preciso reinventar um Brasil mais alegre e mais feliz. Para isso é preciso reinventar sempre o Carnaval da Bahia.

Parece que foi combinado. Neste domingo de carnaval, às 13:00h., no Farol da Barra, com praia cheia e avenida vazia, eis que irrompe barulhenta uma muvuca de umas vinte pessoas, reluzentes instrumentos dourados, tocando Balancê e Corre-corre Lambretinha, para o rebolation dos banhistas!      

Ubiratan Castro de Araújo
Da Academia de Letras da Bahia.

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1 opiniões:

Rui Mascarenhas disse...

Agende que estaremos presentes reacendendo o fogo primordial que nos mantêm eternamente vivos!

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