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Brasil, Africa do Sul e BRICS

Ubiratan Castro de Araújo*
Sua Excelência, Senador Fernando Collor de Melo
Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Brasileiro;
Senhores Senadores,

Agradeço a oportunidade de poder contribuir para o debate parlamentar sobre a política externa do Brasil, muito especialmente sobre a consolidação de um bloco de países emergentes, cuja afirmação representa um importante contraponto à centralidade dos chamados países ricos que compõem o grupo dos países mais ricos do mundo, também chamado de G7. Minha modesta contribuição diz respeito à especialidade da relação bilateral entre o Brasil e a África do Sul, liderança reconhecida na articulação da política continental africana. Ela se fundamenta na experiência acumulada durante 4 anos(2003-2oo7) em que tive a honra de presidir a Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura, que desempenhou um papel auxiliar ao Ministério das Relações Exteriores, em matéria de política africana.
     
I-Introdução.
Minhas primeiras palavras serão para afirmar a importância  do paradigma contemporâneo da complexidade na análise da política internacional. Superada a polaridade estabelecida após a 2ª Guerra Mundial, que impôs o alinhamento automático das nações em dois estados antagônicos, EEUU e União Soviética, a ordem econômica e a governança mundial, passou a vigorar um complexo sistema de blocos concorrentes, não exclusivos, que se constituem em novos lócus de interesses políticos, econômicos, culturais e identitários.

No caso do Brasil, deixamos de fazer parte de um conjunto de países subdesenvolvidos, subordinados a um império informal norte-americano. A afirmação de nossa soberania efetiva-se pela adesão brasileira a vários círculos de articulação regional, em função de interesses particulares. Participamos ativamente da ampliação do chamado G20, para fazer valer os interesses dos países localizados no eixo Sul-Sul; participamos igualmente do MERCOSUL; participamos da articulação dos países da América do Sul; compomos a CPLP, com países de 4 continentes de língua oficial portuguesa; participamos da concertação intitulada IBAS, que nos reúne a duas potencias que representam o eixo Sul-Sul, a Índia, o Brasil e a África do Sul. Mais recentemente criou-se, a partir do Gordon Banks, o conceito do BRIC, Brasil, Rússia, Índia e China, incluída posteriormente a África do Sul, como um fórum de países emergentes, com interesses semelhantes na economia e na governança mundiais.

Este novo bloco regional não reflete nenhuma história especial de cooperação, nenhuma herança cultural comum, tampouco qualquer identidade política dos países que dele participam. A convergência é de interesses conjunturais na negociação da governança mundial. Interessa a todos a regulação do comércio mundial, a circulação de capitais, a representação nos fóruns internacionais de decisão. Evidentemente que a própria dinâmica deste agrupamento desde 2006, com a 1ª reunião de Chanceleres do BRIC, pode constituir no futuro uma aliança mais estável do que uma simples plataforma de reivindicações. Para tanto, é necessário levar em consideração as relações bilaterais entre os países participantes.
Cabe-me destacar as relações entre o Brasil e a África do Sul, no interior deste novo bloco de cooperação internacional, que se orientam, para além de interesses conjunturais, por uma herança cultural comum e pelos imperativos de uma geopolítica do Atlântico Sul.
     
    II-A nova política externa brasileira na era Lula/Celso Amorim.

A nova política africana desenvolvida no governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva a partir do seu primeiro mandato em 2003, orienta-se pela afirmação dos princípios de uma política externa independente em um mundo interdependente, com a inclusão em todas as instancias decisórias dos países do eixo Sul-Sul, ou seja, aqueles que não integram o restrito grupo dos chamados países ricos.

Naturalmente, a política externa para a África buscou a interlocução política com os países africanos, os mais excluídos dos fóruns de decisão internacionais. No entanto, as próprias variáveis da política internacional não explicam os avanços da política africana do Brasil. A política externa para a África foi a exportação da política interna de promoção da igualdade racial instituída desde 2003, largamente negociada com o movimento negro brasileiro.

A conexão Brasil – África é um componente central das convicções reafirmadas pelos militantes negros brasileiros. Proclamar a nossa ancestralidade africana significa rejeitar a escravidão como referência de nossa identidade. Somos portadores de uma herança cultural antiga, originária de grandes civilizações africanas. Como vários outros povos da humanidade fomos vítimas do cativeiro, resistimos, lutamos e vencemos a escravidão.   

Outra característica da opinião pública favorável a uma política de fraternidade em relação à África é o consenso entre os cidadãos negros brasileiros sobre o panafricanismo.  A própria dinâmica da escravidão fez com que os cativos oriundos das mais variadas nações africanas estivessem misturados sob o controle dos mesmos algozes nas terras americanas. Na Bahia, por exemplo, desenvolveu-se uma macro-identidade de “africanos”, uma espécie de grande guarda-chuvas que cobria todos os nascidos no continente africano. Exatamente por isso que o movimento do panafricanismo nasceu nas Américas.  Graças a esta convicção, a atuação brasileira em todos os fóruns interafricanos é marcado pela busca da união em contraposição aos nacionalismos radicais e fratricidas. Isto ficou evidente na II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, realizada em Salvador, em 2006.

Amparada nesta ampla mobilização interna, a política africana do governo Lula apresentou resultados largamente positivos. Entre 2003 e 20911 foram abertas 20 embaixadas em África. No mesmo período o presidente da República visitou oficialmente 23 países africanos, ao passo que até então, nenhum presidente da República havia feito um visita oficial à África. Outro indicador importante foi o aumento do intercâmbio comercial entre o Brasil e a África de US$ 5 bilhões em 2002 para US$ 20,5 bilhões em 2010.

Outro compromisso de política interna que qualificou a presença diplomática brasileira em África foi a condenação de toda forma de racismo e colonialismo contra a África Negra e a adoção na prática de uma política de reparação do povo negro, continental e diaspórico, pelas seqüelas deixadas pela escravidão. Internamente, o governo brasileiro praticou uma política de ações afirmativas compensatórias. Externamente o próprio presidente proclamou o direito à reparação, pediu perdão em nome do Estado brasileiro (eu estava presente na Ilha de Gorée, no Senegal) e desenvolveu ações de reparação, tais como o perdão de dívidas externas de países africanos, o investimento em projetos de tecnologia agrícola e instalação de fábricas de remédios. Nenhum outro país americano implementou uma política desta qualidade. Não é sem motivo que o Presidente Wade, do Senegal, proclamou o Presidente Lula com o “Primeiro Presidente Negro do Brasil”.

 A importância da África do Sul, parceira do BRICS, cresce pela liderança que exerce na África Negra, sobretudo sobre os países de língua oficial inglesa que compõem a Comonwelth. Isto se confirma pelo protagonismo da África do Sul na transformação da antiga OUA em União Africana e na formulação do NEPAD, grande plano continental de desenvolvimento. Do ponto de vista político, a África do Sul defende a idéia força que mobiliza todo o continente que é o “Renascimento Africano”. Por isso, agrupada no BRIC, a África do Sul é um parceiro privilegiado para a consolidação de uma política africana brasileira.

O Brasil e a África e o futuro do Atlântico Sul.

Além da solidariedade povo a povo que nos une aos africanos, há também interesses nacionais brasileiros que devem ser beneficiadas por essa irmandade. Não há como fugir da Geopolítica.

Durante 3 séculos e meio de escravidão e tráfico de escravos, o Brasil e a África formavam um bloco econômico colonial. A África forneceu ao Brasil o capital humano responsável pelo sucesso da empresa colonial, pelo povoamento da terra e pela cultura que o diferenciou da metrópole portuguesa. Os historiadores mais consagrados da escravidão colonial são unânimes na qualificação deste Atlântico Negro como um sistema econômico. Luís Felipe Alencastro, professor na Sorbonne-Fr., afirma peremptoriamente:  -Sem Angola não haveria Brasil! Após a escravidão, a recolonização européia da África pelas potências européias determinou o corte definitivo das relações de troca entre as duas margens do Atlântico Negro.

Uma das diretrizes da nova política africana do Brasil é o restabelecimento das comunicações com a África, por cima ou através do antigo Atlântico Negro. Para tanto, é necessário um Atlântico Sul em paz.

 Outra circunstância unilateral que recomenda a “Paz Sul-Atlântica” é a nova projeção da exploração econômica brasileira sobre as águas profundas do Atlântico, para além da antiga plataforma continental. O grande fato novo é a descoberta e o início efetivo da extração do petróleo no sub-solo Atlântico, o chamado “Pré Sal”. A tecnologia empregada, o dimensionamento das reservas e a expectativa de recursos financeiros para o Brasil, caracterizam o “Pré-Sal” como o novo “take off” capaz de tirar definitivamente o Brasil do rol dos países subdesenvolvidos.

Basta olhar para um mapa do Atlântico Sul p0ara perceber que 80% da sua margem ocidental é ocupada pelo Brasil e a margem oriental é ocupada por mais de uma dezena de países, uns maiores, outros menores. Não é difícil antever a necessidade de estabilização da margem africana, de modo a prevenir turbulências que possam afetar a exploração petrolífera brasileira. Basta lembrar da instabilidade gerada na navegação do Índico pela anarquia decorrente da destruição do estado nacional na Somália.    

O sucesso do Pré-Sal exigirá certamente, além de um escudo de defesa a ser provido pelas frotas da nossa Marinha de Guerra, um escudo diplomático poderoso formado por relações de solidariedade entre o Brasil e todos os países da Costa D’África. A Diplomacia brasileira ostenta justamente o galardão de ter conseguido, ao longo de pouco mais de um século, estabilizar as fronteiras terrestres do Brasil. No futuro ela será desafiada a estabilizar esta fronteira atlântica, através ações bilaterais com cada país africano, assim como mediante a negociação em instâncias multilaterais como o BRIC. Não podemos negligenciar o papel que a China desempenhará em tais tratativas, pela sua presença comercial predominante em todos os países da Costa d”África.

* Texto apresentado na Audiência Pública da Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Senado Federal, Brasília, em 16 de maio de 2011.