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Gendarmeria, uma proposta demagógica

Afirma-se correntemente que a história não se repete. Mas isso só vale aos que estão atentos para as lições do passado.

No longínquo 1889, logo após a Abolição, os monarquistas tentaram preparar o que seria o Terceiro Reinado, com Isabel imperatriz e Gastón d'Orleans, marido dela, como verdadeiro regente. Fez parte do plano divulgar o mito da abolição concedida graciosamente pela princesa, para mobilizar o apoio da população negra em favor do futuro regime. Fazia também parte do projeto a desmobilização do Exército brasileiro, prestigiado após a vitória sobre o Paraguai, que se negava à subserviência perante o regime imperial. O Império passou a negar recursos para o Exército e a liberar recursos para o aparelhamento de corpos de polícia provinciais.

O próprio genro do imperador circulou pelo Brasil, a negociar com os potentados regionais a reativação da Guarda Nacional, também chamada de Guarda Não sois Nada, pela venda de patentes para civis (de onde vêm os "coronéis" do sertão) e com a promessa de distribuição de armas para as tropas de jagunços. Tudo para reduzir o Exército à expressão mínima. A reação desta instituição foi fulminante. Do marechal Deodoro, que era monarquista, até o mais simples praça, levantaram-se todos, depuseram Pedro II e proclamaram a República.

Na campanha eleitoral de 2010, o candidato do PSDB tirou da cartola uma fórmula mágica para combater o tráfico de drogas. Propõe a criação de um ministério da segurança pública, quando constitucionalmente esta é uma competência dos estados federados e, pior ainda, propõe a criação de uma outra força terrestre federal, chamada de Gendarmeria ou Guarda Nacional para a missão da guarda das fronteiras brasileiras, uma missão constitucional das Forças Armadas. Por que então usurpar funções de instituições nacionais legalmente constituídas? Logo agora que as Forças Armadas brasileiras, depois da redemocratização e da anistia geral, dão um exemplo de observância estrita do seu papel de defesa do nosso território. Também este é um momento em que o presidente Lula desencadeia um processo amplo de reaparelhamento tecnológico das forças militares, de modo que elas possam no futuro desempenhar papel de escudo das riquezas e do desenvolvimento do Brasil.

Por outro lado, para a manutenção da ordem interna, cada Estado federado mantém uma Polícia Militar, para as quais se desenvolve uma política de requalificação e de limpeza dos maus policiais. Por esta proposta dos tucanos, todas as PMs do Brasil são condenadas como inoperantes ou impotentes? Vale lembrar que em outros países onde há uma Gendarmerie, como é o caso da França, o Estado é unitário e portanto não há Federação! Nos Estados Unidos há uma Guarda Nacional, mas lá também os estados federados mantêm polícias civis e não polícias militares. O que propõe o candidato tucano, a extinção das polícias militares estaduais? Além de provocar injustificadamente os brios destas corporações federais e estaduais, o candidato em questão promete criar mais um cabide de empregos, novos cargos, salários, equipamentos e instalações para uma nova força que deverá fazer o mesmo que já fazem as existentes. É mais sensato torná-las ainda mais operacionais com o reforço da Polícia Federal, com o aperfeiçoamento tecnológico das Forças Armadas federais, com a expansão da Força Nacional composta por oficiais e praças das PMs, e, acima de tudo, com uma significativa melhoria salarial de todos os militares.

Esta infeliz proposta não passa de demagogia eleitoral, que nos leva ao risco de uma instabilidade institucional, logo agora, quando o Brasil vive um momento de paz, de crescimento econômico e de inclusão social. Afinal, não acreditamos que o combate ao crime organizado, que atua internacionalmente em rede graças ao manuseio de moderna tecnologia de informação, possa ser efetivo com o simples inchaço da burocracia de Estado, seja com a criação de um novo ministério, seja com a criação de uma Guarda Nacional. Precisamos, sim, de mais inteligência e de mais agilidade das instituições de segurança existentes.

Ubiratan Castro de Araújo

Integrante da Academia de Letras da Bahia e diretor-geral da Fundação Pedro Calmon/SEC

Publicado pelo Jornal A Tarde – 20 de outubro, 2010.