0 opiniões

O Candomblé da Liberdade

‘O Bembé do Mercado, em Santo Amaro, tem grande significado pára a afirmação da cidadania negra no Brasil. Eliminados quaisquer traços de subserviência agradecida à princesa pela Abolição, emerge a evidência histórica da luta popular contra o cativeiro e da força da cultura afro-brasileira como propulsora da resistência do povo negro no Brasil.’

Aos 14 de maio de 1888 começava uma nova luta para o povo negro de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo canavieiro da Bahia. Os ex-senhores de escravos, inconformados com a lei da abolição, proclamavam aos quatro ventos que nada havia mudado e pressionavam suas lideranças parlamentares para que a dita lei fosse revogada. Para mostrar que não estavam brincando, mobilizaram o aparelho policial da cidade para tolher os movimentos da população negra, de modo reter uma força de trabalho disponível para o trabalho, em regime de cativeiro. E assim teria sido, sem a resistência negra para fazer valer a liberdade. O movimento social pela abolição foi reativado para tirar da cadeia os que foram encarcerados a pedido dos ex-senhores, e para assegurar o direito de ir e vir de todos os ‘treze de maio’, como eram pejorativamente chamados os libertos pela lei da abolição. Deles se dizia em verso popular:

Nasceu periquito,

Morreu papagaio,

Não quero conversa

Com ‘treze de maio’.

Passado um ano de luta contra a repressão e contra a discriminação, os negros de Santo Amaro resolveram festejar em praça pública o primeiro aniversário da lei da abolição. Os barões ameaçaram e a polícia proibiu o ajuntamento de negros. Apesar de tudo e de todos, no dia 13 de maio de 1889, milhares de pessoas afluíram ao Mercado de Santo Amaro. Não se viu nenhuma parada cívica, não se ouviu nenhum discurso de agradecimento à princesa. Amparados pela força dos seus Orixás, os negros ‘bateram Candomblé’ no centro da cidade e no sábado seguinte jogaram um presente no mar em agradecimento aos Orixás. E mais, lançaram uma praga sobre a cidade: todo aquele que impedisse o Bembé (Candomblé) do Mercado sofreria um castigo exemplar.

Diz a tradição santamarense que, em todo esse tempo, até hoje, em apenas dois anos não se festejou o Bembé. Conta-se que, certa feita, um delegado valentão resolveu proibir o Bembé, até porque o Candomblé era perseguido em todo o Estado da Bahia. Pois bem, um mês depois a esposa dele foi vítima de um acidente automobilístico e ficou com um braço inutilizado. Na segunda ocasião em que não se fez o Bembé, uma grande enchente castigou o centro da cidade. E assim, ninguém mais ousou impedir que os negros exercessem sua liberdade de acordo com as suas tradições e sua cultura. Estava instituído o Candomblé da Liberdade. Cada ano que passa, o Bembé fica mais animado. Além do Candomblé do Treze de Maio, apresentam-se no Mercado de Santo Amaro as várias manifestações tradicionais: O Maculelê, a Capoeira, o Samba de roda, o Coça-coça, o Nego Fugido, na forma de um verdadeiro festival de cultura negra e popular.

O Bembé do Mercado, em Santo Amaro, tem grande significado pára a afirmação da cidadania negra no Brasil. Eliminados quaisquer traços de subserviência agradecida à princesa pela Abolição, emerge a evidência histórica da luta popular contra o cativeiro e da força da cultura afro-brasileira como propulsora da resistência do povo negro no Brasil. Longe de ser uma excentricidade baiana, o Bembé representa uma série de manifestações populares em todo o Brasil, especialmente nas áreas rurais do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, que evocam a luta contra a escravidão e afirmam valores importantes da cultura afro-brasileira, tais como reisados e congos. Por tudo isso, o Treze de Maio não pode ser simplesmente apagado do calendário das lutas de libertação do povo negro brasileiro.

0 opiniões

Ubiratan Castro recebe o Prêmio Luis Gama

Neste sábado, 12/05, durante o Bembé do Mercado, em Santo Amaro, ocorreu o seminário sobre os Marcos Regulatórios para a Promoção da Igualdade Racial. Entre os palestrantes: Ubiratan Castro de Araújo (Fundação Pedro Calmon), Elias Sampaio (Sepromi), Ronaldo Crispim Barros (UFRB) e Elói Araújo (Fundação Cultural Palmares/MinC), que discutiram a implementação de políticas públicas, como as ações afirmativas na educação e a regulamentação das terras quilombolas. Participaram também representantes da sociedade civil, como o professor e compositor, Jorge Portugal, ebomi Nice de Oiyá, da Casa Branca, e Pai Pote, líder religioso que coordenar a cerimônia do Bembé do Mercado.

Na oportunidade, o historiador Ubiratan Castro recebeu o Prêmio Luis Gama pela sua contribuição à cultura negra. Emocionado, ele falou da importância da resistência histórica do povo negro pela afirmação da sua cultura e religiosidade e de como as elites ainda insistem em ignorar as leis e conquistas para a promoção da igualdade racial.

Ubiratan Castro recebe o Prêmio Luis Gama. Foto:Vinicius Xavier